O CASAMENTO DE RACHEL
E um Sonho de Valsa uniu dois corações
Era uma vez Rachel. Era uma vez André. Eles não eram nada parecidos. Ela, cabeleireira. Ele, marmorista. Mas para o coração não existe rótulo. Nem tudo vem arrumadinho, feito caixinha de bombom. A vida é a surpresa a unir corações e se revela na harmonia do que é diferente, como um Sonho de Valsa. Marron e branco, ele e ela, o que for.
Para Rachel e André, o início de tudo foi uma conversa sem compromisso, na saída de uma festa. Depois uma toca de olhares e sorrisos. As primeiras carícias. E um Sonho de Valsa pra quebrar o gelo, pra adoçar palavras e lembranças.
O desfecho dessa história teve seu ápice numa noite de quase primavera. Calor intenso e lágrimas em profusão. Pura emoção, à flor da pele. Uma década depois daquele Sonho de Valsa, eis que os dois sobem ao altar. A travesti Rachel Shineyder Silveira de véu e grinalda. O noivo, Andre Stefanini, à rigor e envolto em pura emoção.
O sim que sela esta união, celebrada no dia 14 de setembro de 2017, foi possível graças ao apoio do Senac Rio Preto. Os alunos da segunda turma do curso “Casamento: Do Planejamento à Celebração em Grande Estilo” tiveram a ideia de promover um casamento legítimo para marcar o encerramento das aulas.
Dessa forma, o pátio do Senac foi transformado no cenário dos sonhos para todos que desejam subir ao altar. Foi uma cerimônia com luxos e honrarias, com todas as características de um casamento tradicional. Música, trajes, decoração… Tudo exatamente como manda o figurino.
O noivo falou ao Notícias do Bem da imensa felicidade e do que representava, para ele e a noiva, aquele momento. “Nosso casamento é como um recomeço da nossa história. Estamos juntos há dez anos, mas poder formalizar a nossa união é realmente algo extremamente especial”, comemora André.
O noivo disse que nunca, nem por um segundo, teve dúvidas do que ele queria quando conheceu Rachel. “Eu amo, e isso é o que verdadeiramente importa. Não ligo para o que dizem, não ligo para os que possam ter preconceito. Minha família, a família que tenho ao lado dela, é a base de tudo pra mim”, diz, sem disfarçar a emoção.
André conta que o início da relação não foi fácil. “Minha mãe, é claro, não aceitou. Até certo ponto eu entendo, porque os nossos pais idealizam o que pra eles é a pessoal ideal pra gente. Mas na vida real é assim, a gente não escolhe por quem vai se apaixonar. Eu não tive dúvidas. Saí de casa e fui viver com a mulher que eu amo.”
A tensão inicial logo foi superada. Com o passar do tempo, dona Dida passou a se entender muito bem com a nora. “Minha mãe faleceu há três anos, mas tenho certeza de que ela estaria muito feliz no dia de hoje. Uma tia minha, de Santo André, me mandou uma mensagem dizendo que sonhou com a minha mãe se arrumando para o casamento. Acho que isso significa que ela está feliz, onde quer que esteja”, afirma André, que já prepara um quarto a mais na casa. Ele e Rachel têm planos de adotar uma criança.
Para Rachel, formalizar o casamento corresponde à uma conquista que parecia distante. “O sonho de todo mundo é se casar, mas por exclusão da sociedade não acreditávamos que seria possível. Nossos planos eram apenas assinar uma carta de união em um cartório, com poucos convidados e sem nenhuma festa. Quando recebi o convite do Senac, quase não acreditei”, conta a noiva.
Rachel acredita que o acontecimento deve gerar visibilidade para uma transformação da sociedade baseada em educação, reconhecimento, inclusão e respeito. “Muitas pessoas, travestis como eu, são alvos de preconceitos, mas não podemos admitir que nenhum tipo de diversidade da sociedade seja motivo para preconceitos ou tratamentos diferenciados.”
Quem auxiliou os alunos na escolha do casal foi Ricardo dos Santos, militante e membro do Conselho Estadual LGBT, que já havia ministrado palestra sobre diversidade, direitos Individuais e sexualidade na instituição.
Durante todo ano, o Senac São José do Rio Preto realizou eventos com objetivo de propor reflexões sobre diversidade cultural, promovendo diálogos sobre sexualidade, gênero, inclusão e as diversas manifestações de preconceito perpetuadas na sociedade.
Uma iniciativa que demonstra que a vida é única e fascinante exatamente pela sua diversidade. Em que não cabe qualquer tipo de rótulo. O que existe uma vida que pode ser sonhada a dois, ainda que aos olhos alheios eles possam ser muito diferentes. A vida, afinal, é sempre uma surpresa. Como um céu de quase primavera. Como a ternura embalada em um Sonho de Valsa.
Texto: Marival Correa / Notícias do Bem
Fotos: Ricardo Milani, Yan Milani e Valdemir Reis / Divulgação
15/09/2017
15/09/2017 15:57