Quando eu era criança e estudava no Antônio Estanislau do Amaral, em São Paulo, aguardava ansioso o dia de visitar a biblioteca. Sentia uma alegria extraordinária ao entrar na pequena sala e descobrir histórias diferentes da realidade que conhecia, viajar a lugares distantes, me divertir com aventuras de heróis improváveis e ler o que tivesse vontade. Bem mais tarde, no início da pandemia de Covid-19, essa memória retornou nítida, talvez por influência do fechamento das escolas. Depois de refletir sobre o tempo entre o passado e o presente, essa passagem da infância acabou ressignificada e ganhou outra importância. Os livros mudaram a minha história.
A constatação me fez sentir a necessidade imediata de desenvolver um projeto de incentivo à leitura onde existia pouca oferta de obras literárias. A primeira dificuldade foi definir um modelo de ação praticamente sem custo, com o investimento somente de tempo e de convencimento de possíveis colaboradores, sem dinheiro envolvido. A proposta consistiu em divulgar a ideia nas redes sociais, pedir a doação de livros novos e usados que estavam parados em casa e entregar a quem precisava. Assim, nasceu a campanha “Vamos criar uma biblioteca?”
Em conversa com a tia Sônia, que é professora, soube que a Escola Municipal Bom Jesus, no Projeto Curaçá 1, em Juazeiro, Bahia, não tinha biblioteca para atender aos 300 estudantes de ensino fundamental e do EJA. Pronto: sabia o que fazer e a quem ajudar. Em 2020, publiquei a proposta na internet. Houve engajamento e o resultado pode ser classificado como excelente, bem melhor do que o imaginado. Arrecadei 1.500 exemplares de gêneros como romance, infantojuvenil, conto e poesia. Gostei tanto da experiência que não parei.
Em 2021, promovi a segunda temporada da campanha, com o mesmo modelo de ação. O foco foi direcionado a três escolas públicas de São José do Rio Preto: Amélia Balbo Sacchetin, Maria Inês Arnal e Extensão João Paulo II. A comunidade e os estudantes do Colégio Santo André doaram juntos 1.100 livros. Cada instituição de ensino participante recebeu 300 exemplares, destinados ao público infantil, e criou espaços de leitura. Uma das instituições abriu um setor que vai emprestar livros aos pais, um desdobramento maravilhoso. O inesperado, entretanto, não havia se apresentado.
No começo de outubro, a direção da Amélia Balbo Sacchetin me convidou para participar da inauguração do espaço de leitura criado com as doações. Eu estava feliz por ter a oportunidade de ver a ideia colocada em prática. A diretora Elizandra Marcatti e as professoras organizaram os livros em uma sala, providenciaram prateleiras na altura das crianças, decoraram as paredes e colocaram tapetes, sofás e cortina. Para a minha surpresa, a biblioteca recebeu o meu nome, uma honra e tanto. Que emoção grandiosa, potente, única. Agradeço, de coração, a emocionante homenagem, que estendo a todas as pessoas, instituições e escritores que ajudaram o projeto a se tornar realidade.
Foi gratificante testemunhar a motivação e o envolvimento dos alunos com a novidade. Quase não aguentaram esperar a hora de cortar a faixa de inauguração. Manusearam os livros, conheceram histórias, viajaram a lugares distantes a cada página e se divertiram com aventuras de heróis improváveis. No brilho do olhar dessas crianças, eu reencontrei aquele garoto que adorava frequentar a biblioteca da escola. Um dia que jamais vou esquecer.
Texto: Raul Marques / Escritor e jornalista @raulmarquesescritor
Fotos: Raul Marques / Divulgação