Imagine entrar em uma sala onde cada parede conta uma história, onde cada curva revela um pedaço da alma de quem ali habita e onde cada cor presente desperta alguma sensação em quem observa. A arte, de capacidade única para emocionar e inspirar, não é algo apenas reservada a museus e exposições, como também é um forte elemento para o projeto de interiores. Contudo, escolher uma peça para o próprio lar não é uma tarefa fácil, pois por mais bela ou cara que seja, se simplesmente colocada aleatoriamente no espaço, pode perder todo o seu potencial de impacto e integração.
Por essa razão e inspirado pelo ambiente criado para a CASACOR São Paulo 2024, onde concentra diversas obras de arte selecionadas criteriosamente, o arquiteto Bruno Moraes, à frente do BMA Studio, compartilha parte de sua filosofia, a qual acredita que a decisão requer sensibilidade, visão e, acima de tudo, uma profunda conexão com cada peça.
A galeria do lar
Transformadora de todos os ambientes onde está inserida, a arte desfruta de uma série de proveitos que elevam o espaço a uma dimensão onde cada tela, escultura, objeto ou foto se torna um portal para a introspecção e a conexão emocional. Dentre as benesses do uso artístico, Bruno enfatiza quatro características importantes:
· Estética: A composição adiciona cor, textura e um ponto focal visual. “A beleza de uma obra de arte é um diferencial na decoração dos ambientes”, diz;
· Expressão pessoal: A arte permite que os moradores expressam sua personalidade, gostos e interesses que refletem a individualidade de uma pessoa, o que torna a casa um espaço mais pessoal e único;
· Intelectual: Provoca reflexão e discussão já que são criadas para desafiar percepções, contar histórias ou transmitir mensagens profundas;
· Apoio artístico: Adquirir arte é uma maneira de apoiar diretamente artistas e a indústria criativa. “Muitas pessoas gostam de saber que estão contribuindo para a carreira de um artista”, completa o arquiteto.
No entanto, a verdadeira magia da arte residencial vai além do estético ou do acaso. O arquiteto acredita que uma peça artística só atinge o potencial quando escolhida e posicionada com intenção, guiada pela conexão emocional e pessoal. Seja através de uma ligação com a história familiar, momentos significativos ou simplesmente uma admiração profunda pelo artista ou pelo estilo, a escolha de cada peça deve refletir a vida e as experiências de quem habita o espaço.
“Seja com a história pessoal, familiar ou cultural, a casa deve ser um espelho das nossas vivências, dos ciclos da vida. É tão importante estar em casa e reviver momentos como: ‘isso aqui foi da nossa lua de mel’, ‘isso aqui lembra minha infância’, ‘isso era da minha avó’. Isso dá alma ao ambiente”, afirma Bruno.
Mais adiante da identificação pessoal, o profissional também orienta observar mais dois itens para a seleção:
História e contexto: Prefira peças que contem uma história ou tenham um contexto interessante. Por exemplo, uma obra que representa um momento histórico ou cultural significativo. Para ele, a peça precisa ter um significado por trás, algo que vá além da mera decoração;
Sustentabilidade: Considere a origem e os materiais das peças. Obras feitas com materiais sustentáveis ou reciclados podem adicionar uma camada de significado ao espaço. “Ainda mais porque a sustentabilidade é um tema cada vez mais importante dentro do design de interiores,” observa.
Curadoria com alma
No ambiente Acalanto e Encontros, criado por Bruno Moraes para a CASACOR SP 2024, vários objetos foram selecionados com base nesses princípios. Neste ano, a mostra traz uma reflexão sobre o futuro da ancestralidade e o que está sendo deixado pela humanidade para as futuras gerações, principalmente no que diz respeito às habitações e o estilo do morar. Inspirado pela temática, Bruno conta que a peça de arte principal é uma impressionante escultura do soteropolitano Mário Cravo, que encapsula a essência do tema. A obra é parte da série Cabeças e foi criada a partir de destroços de um incêndio no Mercado Modelo de Salvador em 1985, simbolizando renovação e resistência.
“A escultura ressoa com o tema da ancestralidade da CASACOR e também carrega um valor sentimental profundo, representando a capacidade de transformação e recomeço após adversidades. Além de seu significado histórico e emocional, a Cabeça também é um testemunho da brasilidade, valorizando a cultura e a arte nacionais”, reflete o arquiteto.
Outro destaque no ambiente é a escultura de Rodrigo Torres, um quadro em cerâmica que Bruno encontrou de passagem em uma galeria de arte. Para ele, a escolha foi impulsionada pela conexão pessoal imediata que sentiu ao vê-la, uma paixão à primeira vista que se alinha perfeitamente com o sentimento de criação do ambiente. Intitulado “Vovó preparando o lanche, pôr do sol de Outono, Minas Gerais”, o quadro de porcelana esmaltada sobre chassi de madeira evoca um sentimento de nostalgia e memória afetiva, reforçando a importância dos ciclos da vida e das histórias pessoais.
“A peça do Mário Cravo, por exemplo, tem um contexto histórico e emocional muito forte, enquanto a obra de Ricardo Torres traz a nostalgia de um café da manhã com um ente querido, conectando-se com memórias pessoais”, explica o arquiteto.
Para representar a sustentabilidade, Bruno integrou a foto de Kiolo, que retrata uma cena de Salvador ligada ao movimento Somente Flores para Iemanjá. Ela promove ações para manter acesa a chama de tradições afro-brasileiras ancestrais e diálogos sobre a crise climática, além de estimular os seguidores a oferecer apenas flores como oferenda à orixá para evitar o acúmulo de lixo nas praias.
No coração do Acalanto e Encontros, o tapete do ambiente, assinado pelo escritório BMA Studio, é outra peça central que sintetiza o tema da CASACOR. Desenvolvido com a ajuda de Inteligência Artificial e utilizando retalhos de tapetes antigos, ele representa a conexão entre passado, presente e futuro, integrando música, tecnologia e sustentabilidade, pois ele é uma canção de ninar indígena, congelada no tempo e na arte. “A peça é parte de uma ancestralidade futurística, onde cada onda sonora foi isolada e depois montada em uma composição para o desenho do tapete, a partir disso nós utilizamos de restos de tapeçaria para criar algo novo”, completa.
O arquiteto também integrou objetos pessoais e familiares no ambiente, adicionando camadas de história e afeto, como um livro raro, edição especial da Divina Comédia, um rádio e despertador antigos. Estes itens trazidos da casa de sua família adicionam um toque pessoal, voltado para a própria ancestralidade. “O ambiente não é uma vitrine. Quero que as pessoas que adentram o ambiente, sintam uma conexão, como se estivessem em casa. A minha ideia é de um ambiente vivo com histórias, personalidade, brasilidade, memórias e carinhos”, explica.
Da mesma forma, o banquinho Piúba, de Léo Ferreiro, exposto no salão do Brasil na Semana de Design de Milão em 2024, possui uma inspiração nas jangadas, típicas embarcações e símbolos do Ceará, que estão ligadas diretamente com a memória afetiva do artista.
E para aqueles que não possuem expertise em arte, o arquiteto Bruno Moraes recomenda a consulta com um especialista para evitar falsificações, garantir a autenticidade das peças adquiridas e obter conselhos quanto à compra. Assim, a casa não se torna apenas um local de moradia, mas um verdadeiro espelho das histórias e dos ciclos de vida de seus moradores.