Sou um monte de coisas. Mas não sou mãe.

BEM PENSADO

Sou um monte de coisas. Mas não sou mãe.

Até os 10 anos, eu vivia num mundo particular. Morávamos numa fazenda, no interior de Goiás, onde eu tinha todo o tempo do mundo e um quintal sem muros. Diferente das minhas amigas ‘da cidade’, eu não brincava de boneca. Ao contrário, era encorajada a brincar de “Indiana Jones”, procurando ossos de dinossauro no quintal, ou de cientista, durante as noites de lua, quando a gente usava um rolo de papel como telescópio.

Aí, outro dia, contando essa história numa mesa de boteco, alguém soltou: “tá explicado porque você não tem filho ainda – você não treinou para ser mãe”.

Eu sou jornalista. E empresária. Sou filha, irmã, neta, sobrinha, esposa, nora, amiga… Ainda sou estudante. Já fui voluntária, professora e contralto no coral da igreja. Sou leitora sempre que sobra cinco minutos, sou “quebra-galho” na cozinha e sou companhia para qualquer café com ‘dois dedo de prosa’. Eu sou um monte de coisas. Mas de fato, não sou mãe. E tudo bem.

Sou imensamente grata pelo que eu tenho. Mas sou grata, também, pelo que não tenho. E hoje, eu não tenho filhos. Honestamente, não acho que existe treino para ser mãe. Aliás, cansei de ouvir a minha, por exemplo, repetir que nunca soube se estava fazendo a coisa certa. Eu, particularmente, acho que ela fez. Foi com ela, por exemplo, que eu aprendi a tirar de letra essa história de não ter filhos – não julgando as escolhas dos outros e nunca dizendo “dessa água não beberei”.

Existem milhares de motivos para uma mulher não ser mãe. Pode ser uma opção, um problema de saúde. Pode ser algo que simplesmente ainda não foi decidido. Seja lá qual for o motivo (e ele é só seu), ser grata, ao invés de reclamar ou se explicar para todo mundo, é na verdade uma equação bem simples: uma pessoa é do tamanho da felicidade que proporciona.

Eu não sou mãe. Mas tenho uma habilidade incrível para querer ser feliz. E para isso, sim, treinar é essencial. Treinar os olhos para enxergar o que os outros tem de melhor. Treinar a boca para falar somente o necessário. Treinar os ouvidos para selecionar só o que faz bem ao coração. Treinar a alma para decidir, todos os dias, ser uma pessoa melhor. Porque quando a gente é melhor, o mundo à nossa volta também fica um bocadinho melhor. E com ou sem filhos, o melhor da vida é um clichê: viver.

Quem explica isso como ninguém, é o Guimarães Rosa. Ele, que também viveu no sertão, como eu, resume esse negócio de ser feliz: …o certo era a gente estar sempre brabo de alegre, alegre por dentro, mesmo com tudo de ruim que acontecesse, alegre nas profundezas. Podia? Alegre era a gente viver devagarinho, miudinho, não se importando demais com coisa nenhuma.

Flaviana Ribeiro – jornalista, empresária, filha, irmã, neta, sobrinha, esposa, nora e amiga

Foto: Ricardo Boni / Notícias do Bem


22/06/2016 22/06/2016 12:03

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