História do Dia
Enfermeira do HC, Carmem faz roupinhas para bebês de UTI
A força que faz Carmem continuar vem de seres com menos de um quilo.
A maioria já chega ao mundo sem expectativas médicas. “As chances de o bebê sobreviver quase não existem”: Quantas vezes Carmem escutou!
Escuta e não põe fé.
Impossível desmanchar ideia construída em mais de 30 anos de enfermagem no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, 17 deles como enfermeira na UTI neonatal:
– Enquanto o coração estiver batendo, há esperança.
Carmem Lúcia Santana Oliveira acredita. E dá a esses bebês prematuros identidade feita de tecido e linha.
Para ela, a primeira roupinha de muitas que eles hão de vestir.
A ideia surgiu em meio a rotina, 17 anos atrás.
Na maioria das UTIs neonatais os bebês que nascem em prematuridade extrema (menos de 28 semanas de gestação) vestem só a fraldinha.
– Nenhuma loja vende roupas para um recém-nascido tão pequeno. Nós temos bebês com 500, 600 gramas! Até roupa de boneca fica grande!
Nunca havia costurado na vida. Pediu ajuda para a família, foi aprendendo aqui-ali e a primeira roupinha saiu.
Começou as entregas. No começo, quando ainda trabalhava na UTI neonatal, levava uma roupinha sempre que um bebê novo chegava.
Depois, passou a fazer entregas semanais. Não fica mais de duas semanas sem aparecer com as peças, que já vão lavadas, passadas, prontas para usar.
Perdeu as contas de quantas roupinhas entregou. Faz uma soma rápida e conclui que, certamente, mais de cinco mil peças.
– O melhor de tudo é a mãe. Quando a mãe encontra a criança com roupa, não sabe se chora ou se ri. É lindo demais. Eu queria que você visse a carinha delas!
A lista de bebês que chama de seus é grande.
Ela vai contando as histórias de crianças que hoje exibem seus 10, 12, 17 anos, cheias de saúde, daquelas que participou dos batizados, da festa do primeiro aninho.
– Outro dia, uma mãe me chamou no corredor e me deu um abraço gostoso. Disse que queria me agradecer pela roupinha que eu deixei para o bebê dela.
Os pais, ela diz cheia de orgulho, guardam aquela roupinha minúscula como lembrança da força imensa que habita gente tão miúda.
– Eles mostram a roupa para as pessoas saberem que não é imaginação. O bebê era mesmo daquele tamanho.
Em todo esse tempo, Carmem nunca vendeu uma só peça – apesar de receber um tantão de pedidos.
– Tem preço que pague a alegria dessa mãe? Não tem preço que pague!
Ela decidiu que queria ser enfermeira aos seis anos.
A irmã sofreu um acidente e Carmem pôde conhecer a rotina daquelas que mudam o canal da TV, fazem curativo que “não vai doer”, cuidam das medicações e atuam como conselheiras.
O primeiro emprego foi no Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto, de onde não mais saiu. Ficou 17 anos na UTI neonatal e, por volta de 2014, foi transferida para o setor de neurologia.
Não fica longe dos “seus bebês”, porém. Dá um pulinho no setor sempre que sobra um tempinho e aproveita para checar quem precisa de roupinha.
Não deixa faltar estoque, mesmo para os bebês maiores. Mas frisa:
– Minha especialidade é menos de um quilo.
Diz que, até quando “Deus der força”, vai continuar espalhando o bem.
– A vida? A vida é tudo! Tem que aproveitar cada segundo. A gente vem nu e se ninguém põe roupa, vamos embora nus também.
Carmem vai continuar vestindo bebês de linha, tecido e amor.
– Não pode desistir jamais. Eles são milagrinhos de Deus.
Sabe que a força encontra morada em gente miúda. E – que bom! – não há o que a faça mudar de ideia!
Texto e foto: Daniela Penha / Histórias do Dia 31/08/2018
31/08/2018 13:14