A ARTE DA RESISTÊNCIA
ENTREVISTA: espetáculo Salve, Malala é destaque na Mostra Cênica 2017 em S. J. Rio Preto
Em 2009, em meio à ocupação do movimento fundamentalista islâmico Talibã no Paquistão, uma garota de apenas 11 anos – Malala Yousafzai – começou a relatar o seu cotidiano em um blog. Em suas descrições, relatos das tentativas do movimento em controlar sua cidade na província de Khyber Pakhtunkhwa, no nordeste do Paquistão, e o impedimento das meninas de frequentar a escola. Sua voz ganhou ainda mais força e visibilidade no mundo todo com o documentário do New York Time sobre o seu dia a dia.
Em 2012, a menina que lutava pela defesa dos direitos humanos das mulheres e do acesso à educação quase foi calada quando sofreu um atentado a caminho da escola. Mas ao contrário do que queria o movimento Talibã, o atentado só deu mais força à Malala e foi a mola propulsora de um movimento nacional e internacional de apoio à ativista.
Desde então, a menina paquistanesa, a mais nova a receber o Prêmio Nobel, tem inspirado pessoas no mundo inteiro e, no Brasil, ela foi a inspiração para a Cia. La Leche de São Paulo criar o espetáculo “Salve, Malala!”, que será apresentado na Mostra Cênica 2017 – ResistênciaS, que acontece de 8 a 12 de fevereiro, em São José do Rio Preto, no interior paulista.
A peça, dirigida por Cris Lozano e encenada pela atriz Léia Rapozo e o ator Alessandro Hernandez, que também assina a dramaturgia, traz uma reflexão sobre os dias de hoje, sobre os nossos direitos e as maneiras de resistência e luta para um mundo mais igualitário e poético.
Para falar sobre o espetáculo e o papel dos jovens e da arte na luta pelos diretos humanos, o Notícias do Bem entrevistou, com exclusividade, o ator e o dramaturgo Alessandro Hernandez. Confira abaixo a reportagem e inspire-se!
NOTÍCIAS DO BEM – Como aconteceu o processo de criação do espetáculo “Salve, Malala!”?
ALESSANDRO HERNANDEZ – Iniciamos o processo de criação do espetáculo em outubro de 2015 e ele estreou em agosto de 2016. Nos aprofundamos na história da Malala, lemos alguns livros e assistimos a diversos vídeos e documentários sobre a vida dela. Também lemos e assistimos muita coisa sobre educação no Brasil e no mundo. E tomamos toda essa informação como inspiração para a construção da dramaturgia. Na sala de ensaio foram surgindo temas que caminhavam junto com a questão da educação que a Malala defende e fomos trabalhando tudo isso em workshops, construindo cenas. Assim surgiram os temas democracia e ditadura, direitos dos jovens, o sistema de ensino tradicional em contraposição a um sistema de ensino mais participativo e questões de gênero. Também fomos muito influenciados pelos acontecimentos daquela época, o impeachment de uma presidenta eleita legitimamente, a ocupação das escolas pelos jovens e outros fatos relevantes.
NB – Por que a escolha de um tema tão denso para a criação de um espetáculo para crianças e jovens?
AH – Porque acreditamos que esse tema diz respeito a todas essas crianças e jovens. Pensar a respeito do modo como a educação está sendo vivenciado, o questionamento dos direitos pertencentes a elas e como elas podem de fato participar no mundo. Isso não é algo distante, pelo contrário, é algo muito presente no dia a dia delas. Todas as crianças e jovens, de uma certa maneira, estão no período escolar e é importante refletir como esta educação está sendo vivenciada a partir de uma fato trágico, mas que não está tão longe de nós, nas suas devidas proporções. Quantas “Malalas” devem existir pelo mundo e não nos damos conta disso?
Nós acreditamos que debater a questão da educação hoje é fundamental. E as crianças e jovens estão exatamente no centro desta questão. É preciso pensar em como o ensino poderia ser estruturado de maneira diferente, oferecendo oportunidades para que as crianças e jovens possam construir sua própria visão de sociedade e de mundo. O assunto pode até ser denso, mas a gente não pode subestimar esse público. E é imprescindível que ele perceba que pode e deve ter acesso a uma educação com mais liberdade, mais integração. Que se pode participar de forma direta do seu próprio processo de aprendizagem e que, principalmente, se tem direito a isso. Com esse trabalho a gente espera poder contribuir um pouco com essa discussão.
NB – Malala, ainda muito jovem, resistiu à imposição do governo do seu país, onde as questões como a desigualdade de gênero é latente, entre outras questões. Trazendo essa temática da resistência, o que você apontaria como sendo a grande luta do jovem brasileiro na atualidade?
AH – Acho que essa luta já se apontou em alguns lugares no final do ano passado com relação à ocupação das escolas quando jovens secundaristas promoveram essas ocupações em prol de uma melhoria do ensino. Penso que o papel desse jovem é de extrema importância no momento atual quando forças conservadoras e de extrema direita aparecem com veemência no Brasil e no mundo. Ficar atento ao que acontece em suas cidades e RESISTIR às ações descabidas para uma sociedade democrática é o primeiro passo. Criar mecanismos de força e empoderamento é fundamental para se fortalecerem na luta por suas causas.
O jovem aqui ainda luta muito por representatividade, visibilidade. As lutas são muitas, depende do contexto em que estes jovens estão. Mas é inegável a grande luta pela educação, que ano passado reuniu uma parcela enorme de jovens não conformados com a qualidade e condições do ensino público. Pudemos ver isto durante as ocupações em diversas cidades do País. Esta foi uma luta que se mostrou ser de jovens de muitos lugares, que se organizaram e se articularam com muita força.
NB – O espetáculo tem circulado por escolas, como você descreveria a reação dos jovens ao assistirem a peça?
AH – O espetáculo foi apresentado para grupos de jovens, para grupos de crianças e para grupos de crianças com seus pais e em todos estes casos vem sendo bem recebido. Percebemos que para todos eles a discussão que levantamos chega de maneiras diferentes, mas chega. Em várias sessões abrimos uma conversa com a plateia ao final do espetáculo e o público nos devolveu comentários preciosos sobre a situação e qualidade do ensino que tem recebido, seu direito à educação, a desigualdade de liberdade entre meninos e meninas em determinadas situações sociais e sobre a importância da participação deles mesmos em seu processo de aprendizado. Em uma das cenas da peça, destruímos a figura de um ditador e a plateia reage com muita satisfação. Esse entusiasmo também surge em outros momentos em que colocamos as personagens como as responsáveis por reivindicar melhores condições para elas e sua aldeia.
NB – Em tempos em que tecnologia e comunicação instantânea, qual o grande desafio e o papel da arte na mudança dos paradigmas sociais?
AH – A arte estabelece um diálogo com quem a observa e é importante que, enquanto artistas, a gente acompanhe as mudanças e transformações sociais. O grande desafio é estabelecer esse diálogo e refletir o tempo em que estamos de maneira poética, lúdica, que permita uma fruição mais aprofundada e não imediatista e superficial como estão se dando as relações contemporâneas. A arte capta o que se dá no entorno e devolve uma leitura de mundo com outra densidade de significados. A tecnologia pode ser uma aliada nessa tarefa, dependendo de como é inserida no trabalho artístico.
NB – O que o público pode esperar do espetáculo “Salve, Malala!”?
AH – Um espetáculo que busca dialogar com o tempo em que estamos vivendo. Ele foi criado de maneira muito atenta às questões políticas atuais e que infelizmente podem permanecer dessa maneira por algum tempo. Nossa função como artista é resistir a tudo isso que nos desagrada. Então convidamos à plateia a este exercício poético. E que pais, crianças e jovens saiam desta experiência com pensamentos e vontades de mudança.
Sobre a Mostra Cênica 2017 – ResistênciaS
A Mostra Cênica é um projeto de difusão da Cia. Cênica, de São José do Rio Preto / SP, que visa criar um espaço de reflexão sobre o fazer teatral por meio das atividades propostas em cada uma de suas edições, além de possibilitar a circulação de espetáculos teatrais e a formação de público. Em 2017, a Mostra chega em 2ª edição. Neste ano, o evento enfocará o teatro como resistência. Ao todo, serão 22 produções, incluindo performances e cenas curtas, além de atividades formativas, como oficinas, workshops e rodas de conversa, e um bar cultural. As atividades e apresentações acontecerão em sete espaços de Rio Preto e a programação é toda gratuita. A grade completa você pode acessar no site – Cia Cênica.
Confira os espetáculos que participarão da Mostra Cênica 2017.
Espetáculos convidados:
·A Vida é Sonho (Cia. Teatral Boccaccione – Ribeirão Preto/SP)
·Blitz – O Império que Nunca Dorme (Trupe Olho da Rua – Santos/SP)
·Janelas para uma Mulher (Cia. Trilhas da Arte – Campinas/SP)
·Salve, Malala! (Cia. La Leche – São Paulo/SP)
·Vidas Secas (Cia. Caravan Maschera – Atibaia/SP)
Teatro Adulto, Teatro para Crianças e Teatro de Rua:
·Cérebro de Elefante (Cia. Ir e Vir – São José do Rio Preto/SP)
·Contos de Reis (Cia. Espagírica de Teatro – São José do Rio Preto/SP)
·Coração dos Teatros Rodantes (Andaime Teatro Unimep – Piracicaba/SP)
·E Toda Vez que Ele Passa, Vai Levando Qualquer Coisa Minha (Delirivm Teatro de Dança – São Simão/SP)
·Memórias de um Quintal (Insensata Cia. de Teatro – Belo Horizonte/MG)
·MUNDOMUDO (Cia. Azul Celeste – São José do Rio Preto/SP)
·Ofélia/Hamlet/Rock Machine (Cia. Teatro de Riscos – Ribeirão Preto/SP)
·Pé na Curva (Cia. de 2 – São José dos Campos/SP)
·Perdoa-me por me Traíres (Teatro Kaô – São Mateus/ES)
·PUTO! (GAL – Grupo de Apoio à Loucura – São José do Rio Preto/SP)
·Réquiem para um Rapaz Triste (Teatro do Indivíduo – São Paulo/SP)
·Só (Grupo Sobrevento – São Paulo/SP)
Performances e Cenas Curtas:
·Corte um Pedaço (Zé Antonio Borges)
·O Bebê de Ouro (Cia. Ai de Nós)
·Odhara (Poleiro dos Anjos)
·PSICOPATA (Cia. Palhaço Noturno Teatro)
·RESET LOVE (theURGIA)
Reportagem: Thais Alves/ Notícias do Bem
Fotos: Arnaldo dos Anjos / Divulgação
30/01/2017
30/01/2017 09:59