A ARTE DAS VALQUÍRIAS
Jovem transforma vidas em projeto social
“Meu nome é Amanda Oliveira, tenho 26 anos e tive meu rosto queimado por água fervendo quando ainda era bebê. As cicatrizes que carrego pela vida foram razão de bullyng na escola. Meu pai é jardineiro, minha mãe é cozinheira. Confesso que não tinha perspectiva de um futuro diferente de muitos que encontrei nas vielas das favelas onde nasci e cresci. Minhas referências de mundo sempre foram os traficantes e as profissionais do sexo.” O que parece o começo de um triste relato, na verdade é o inicio de uma bela e motivadora história de superação.
Amanda, que desde muito cedo teve que lidar com situações difíceis, viu sua vida mudar por meio da música que aprendeu nas salas de aula do Instituto Sócio Cultural e Esportivo Ielar, de São José do Rio Preto/SP.
O Instituto Ielar ajuda crianças em risco de vulnerabilidade social, através de projetos socioeducacionais. “Quando tinha onze anos, minha mãe matriculou, eu e meu irmão no Instituo. Com isso, conseguíamos economizar muito em casa, pois lá eles serviam café da manhã, almoço e jantar. Arroz e Feijão nunca nos faltaram em casa, mas não era sempre que tínhamos mistura (carne ou outras proteínas) na mesa.“, relembra Amanda.
Mais do que um simples aprendizado, o projeto mostrou uma outra realidade. “Lá eu me senti aceita, não sofria rejeições como na escola. Os educadores estavam apenas preocupados em notar qual era o meu talento. Fazia aulas de música, dança e reforço escolar. Conforme fui participando das aulas, eu me encontrei e me vi parte de um grupo. E a partir dai minha referência de mundo mudou”, relata.
De aprendiz a líder
Dentro do Instituto, Amanda foi aluna até os 15 anos, quando passou a ser monitora e assumiu as aulas de música. Aos 19 anos, ela recebeu a proposta de se tornar coordenadora geral do Instituto. “No começo eu me assustei, mas não recusei. A vontade de ajudar minha comunidade já era maior que tudo. Em cinco meses peguei o jeito. E fui além, há seis anos fundei o projeto ‘As Valquírias’, um grupo de música que canta e toca instrumentos formado por 120 meninas de 5 a 19 anos, todas da periferia e da mesma realidade que eu.”, revela com orgulho. “Formei-me mulher musicista, transformadora social e a partir dai resolvi multiplicar o impacto”, complementa Amanda.
Conseguir os instrumentos para expandir a ação “As Valquirias” não foi fácil, mas com dedicação Amanda conseguiu o apoio da UNESCO que selecionou a iniciativa, por dois anos consecutivos, e ajudou com uma verba que possibilitou as meninas a se aperfeiçoarem ainda mais e mostrarem sua arte pelo Brasil fazendo apresentações.
Recalculando Rotas
Amanda conta que no grupo há meninas com mães e pais presos, outras com pais baleados, vítimas da violência, e muitas sem família, que moram com vizinhos, e com uma realidade tão difícil, por vezes elas não acreditam em um futuro melhor. “Muitas pessoas dizem que não é possível. Mas eu digo para as meninas que não importa onde nascemos e sim para onde vamos. Eu sou prova disso, eu fui salva em todos os sentidos. A periferia te leva para muitos caminhos que parecem ser mais fáceis. Por meio da música estamos conseguindo recalcular a rota da vida de tantas ‘Valquírias’. Elas estão quebrando ‘a lógica’ de um ciclo familiar e as próximas gerações serão diferentes.”, ressalta a musicista.
Reportagem: Thais Alves
Foto: Ricardo Boni
15/01/2016
14/01/2016 21:15