Para que servem as (os) avós?

PARA QUE SERVER AS (OS) AVÓS?

Jornalista Graziela Delalibera conta as delícias lembranças de suas avós

Sabe aquelas delícias calóricas, como mantecal, crostoli (a cueca virada) e pão caseiro? Ela fazia tudo de olhos fechados. Pequenina, tinha mãos e braços fortes que enrolavam qualquer massa com agilidade. Muitas vezes, uma das netas acompanhava tudo de pertinho – tentava imitá-la, queria amassar seu próprio pão.

Ela, que passou a infância e a adolescência em lavouras de café no interior paulista, com as mesmas mãos ajudou o pai a juntar riqueza, mas não teve direito à herança – era filha mulher. Talvez por isso tenha aprendido apenas a escrever o próprio nome. Na verdade, era como se desenhasse cada uma das sílabas, lentamente: I-ZA-LI-N A.

Era dona de uma fé de mover montanhas. Aos netos que tremiam só de ouvir a palavra “inferno”, ela costuma repetir: “depois da morte, todo mundo está guardado em bom lugar”.

Criança, a acompanhava nos cultos de domingo à noite. Sempre caminhávamos até a igreja, e aquilo para mim era diversão.

Quando já estava na casa dos 90, encasquetou que queria um fogão novo, ainda que não cozinhasse mais. Usaria para esquentar um leite, fazer um café… Afinal, sempre quis um fogão novinho quando tinha menos idade.

Depois que perdeu o companheiro de toda a vida, ficou firme por mais 20 anos. Seu Juca, alto e magro, com seu chapéu de palha, ela, baixinha, com seu cabelo grisalho ajeitado em um coque baixo, sempre de mãos dadas chamavam atenção por onde passavam.

Dois anos antes de ir embora para sempre, ela foi dada como desenganada. Driblou a expectativa dos médicos, e seu coração seguiu batendo até um mês antes de completar 94 anos. Há seis, estamos sem ela.

Dona Izalina deixou uma prole tão grande, que os familiares de uma cidade vizinha encheram um ônibus para lhe prestar as últimas homenagens. Teve treze filhos. Dez estão vivos. Netos somam mais de 50. O mesmo os bisnetos. Os tataranetos, hum… não sei a quantos chegam.

Mas sei que, a essa altura, ao lado de seu Juca, ela deve estar em um lugar muito bom lá no céu.

Enquanto isso, aqui na terra, ainda firme, dona Aurora sempre me faz lembrar das singelas aventuras gustativas que tive ao seu lado quando menina. Eram tão boas quanto conseguir autorização para brincar na terra e poder se sujar dos pés à cabeça.

Nas férias, costumávamos pegar um circular rumo ao centro da cidade com destino ao supermercado Curitiba, que abrigava o que podia se chamar de oásis para aquela dupla sedenta por guloseimas. Com seus altos balcões vermelhos em fórmica, a lanchonete do Curitiba oferecia lindas taças de sorvete coberto com muita calda e castanha triturada – era o Sunday, que eu começava a desbravar.

Entre alguns pingos de sorvete na roupa e muito melado nos dedos, com minha avó de sombrinha em punho para nos proteger do sol até a parada de ônibus, o regresso era uma satisfação só. Certo dia, o deleite foi tanto que caí em sono profundo boa parte do caminho dentro do circular, a ponto de ficar surpresa ao ser cutucada por minha avó, informando a chegada ao destino.

Mas minha viagem pelo sentido do paladar ao lado de dona Aurora não se limitava ao que era doce. Adorava sua galinha caipira com polenta, e não foram poucas as incursões pelo quintal, em busca de uma vítima que nos servisse de refeição. Depois de sentenciado, o bicho ia para uma bacia de alumínio a fim de ser depenado, e nessa hora minha ajuda era bem-vinda.

Com uma chaleira cheia de água fervente, aos poucos a nonna despejava o líquido em nosso futuro prato. Depois, eu ficava à beira do fogão à lenha, à espera dos miúdos que ela colocaria já cozidos em um pires para os netos devorarem.

Também me sentia útil quando ajudava dona Aurora no preparo do nhoque, ao mesmo tempo em que brincava cortando as tiras de massa em quadradinhos para depois irem à panela. Diferentemente do bife da minha mãe, o temperado por ela tinha uma boa dose de pimenta do reino, e isso também me atraía.

Ainda hoje, lhe admiro pelo prazer que transmite diante de um bom prato, e a curiosidade que mantém viva para conhecer novos sabores. Num domingo não muito distante, depois de um almoço regado a suco de abacaxi com hortelã, avó e neta ficaram mais uma vez diante de um importante dilema: como sobremesa, uma taça de creme de papaia ou um sorvete para refrescar a tarde de calor beirando o insuportável?

Depois de uma pausa, o eleito foi o creme de papaia, mas sem licor de cassis. Reflexo de uma nova realidade – dona Aurora agora tem diabetes, e a neta estava um pouco acima do peso.

Ficamos em silêncio enquanto saboreávamos a sobremesa, e por um momento voltei ao balcão da lanchonete do supermercado Curitiba. Nos olhamos, e concluímos, ao mesmo tempo: “está muito bom, né!”.

Só por isso, e por tudo isso, feliz quem ainda tem uma vó, um vô, pra dar um abraço apertado e acompanhar num singelo sorvete nesse dia de hoje (e sempre).  Bora lá?

Texto: Graziela Delalibera

Fotos: Ricardo Boni / Notícias do Bem

26/07/2016

26/07/2016 13:17

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