Conheça a tradição milenar da Folia de Santos Reis difundida pelo interior paulista

DEVOÇÃO, MILAGRE E FÉ

Conheça a tradição milenar da Folia de Santos Reis difundida pelo interior paulista

“Só há duas maneiras de viver a vida: a primeira é vivê-la como se os milagres não existissem. A segunda é vivê-la como se tudo fosse milagre.”, Albert Einstein.

GeraldoEm 1948, em resposta a um milagre atendido surgia no interior paulista, na cidade Mirassol, a Companhia de Folia de Reis Resplendor Dourado, fundada pelo funcionário público Geraldo Nogueira, atualmente aposentado e com 96 anos de vida. Com muita devoção de seu fundador e amigos, o propósito da Folia de Reis foi se concretizando, ano a ano, entre a comunidade devota da região e se tornando um lindo elo de fé, passado de geração a geração.

“O finado meu pai – que Deus o tenha – teve um eczema muito grave na pele. Na época, a gente tentou de tudo: levamos para as Águas do Ibirá, Águas de Lindoia, mas nada adiantou. Meu irmão Valdemar (em memória) então fez uma promessa, que se o nosso pai melhorasse, iríamos criar uma companhia de Reis e foi o que aconteceu”, relembra o fundador.

Seo Geraldo conta que no início eles não sabiam nem por onde começar e que um antigo mestre de Folia de Reis da cidade os ensinou. “A gente não pode brincar com os Santos Reis. Deu falar nele até me arrepia e sempre o que nós pedimos é feito”, confessa Nogueira, que até hoje realiza sua tradicional festa no dia de Reis, 6 de Janeiro, em volta da igrejinha de Santos Reis, que ele mesmo construiu, há uns 15 anos, em frente a sua casa, na rua Santa Luzia, no bairro de Nossa Senhora Aparecida, em Mirassol.

DIVINA LUZ

CiaA promessa pelo milagre alcançado, há mais de 60 anos, pela família Nogueira, ganhou braços com a fundação da Companhia Divina Luz (uma extensão da Resplendor Dourado), criada por Claudemir dos Reis Nogueira, bisneto de seu Geraldo, que hoje é responsável por promover os cortejos, levando esperança e a fé por onde quer que passe.

A equipe do Notícias do Bem foi convidada para acompanhar, no último sábado (21/01), a chegada da Divina Luz por Jaci, na casa da família do profissional autônomo Roberto Átila e sua esposa Janaína. Chegamos já na hora do almoço – arroz, feijão, macarrão, porco no tacho, salada, farofa – oferecido com todo carinho pelos anfitriões – que por sinal estava uma delícia.

A companhia já tinha feito sua jornada pelas ruas do bairro Cohab 3 e mais de 50 pessoas estavam reunidas, entre participantes, amigos e familiares dos donos da casa para compartilhar a refeição. “O cortejo segue pelas ruas para arrecadar fundos para a nossa grande festa, que é aberta ao público, realizadas todos os anos em agradecimento aos milagres. Quando chegamos nas casas das pessoas, sempre pedimos licença ao dono, que recebe a nossa bandeira e assim fazemos nossa apresentação, com versos, música e orações”, explica Claudemir.

OAntigo morador de uma fazenda em Ruilândia, próximo a Jaci, o anfitrião Roberto conta que há 10 anos mudou para a cidade, mas que nunca deixou sua devoção. “Desde a época que morava no sítio eu participava das celebrações de Reis. Para você ter uma ideia, o primeiro lugar que os meus dois filhos – Kainan (5 anos) e Alice (9 meses) – passaram depois de sair do hospital foi na igrejinha de Santos Reis”, revela.

Sobre devoção e milagres atendidos, Roberto relata um caso em sua família. “Tenho um cunhado que sofreu um acidente, à meia noite, e foi encontrado só às seis da manhã. Ele foi dado como morto pelos médicos, porque perdeu muito sangue. Meu pai, muito devoto de Santos Reis, fez um pedido e colocou uma foto dele lá na igrejinha. Depois disso, ele chegou no Hospital e meu cunhado tinha melhorado e está bem até hoje, inclusive meu pai estava falando para mim que ele até já voltou a dar trabalho. Muita gente não entende isso como milagre, fala que são coisas da vida, mas eu acredito que é um milagre, sim”.

De acordo com o mestre da Divina Luz, Claudemir, muitas pessoas que os convidam têm alguém na família doente, está passando por alguma dificuldade ou são devotas de Santos Reis e receber o cortejo é uma forma de demonstração a gratidão.

Todos os versos declamados pelo mestre da Folia de Reis são improvisados, direcionados para aquele momento, para aquelas pessoas que os acompanham. As palavras, o som dos instrumentos e a alegria de todos no cortejo mostram a grandeza da fé e emocionam homens e mulheres de todas as idades.

NOVA GERAÇÃO

Amanda,Em meio à tanta tecnologia e à correria do dia a dia, muitas tradições são deixadas de lado pelas novas gerações, para que isso não aconteça com a Folia de Reis, Claudemir conta que os jovens são sempre chamados a participar das celebrações e os que gostam e querem realmente participar se tornam integrantes da Companhia, que atualmente, é composta por 23 pessoas, entre homens e mulheres, com idade que variam de 10 a 90 anos.

Beatriz dos Reis Catalano Nogueira, 14 anos, é filha de Claudemir e tataraneta do seo Geraldo e participa da Companhia desde menina. “Comecei tocando afoxé e fui sozinha pegando o pandeiro, um pouco da viola e agora toco violino”, comenta com orgulho Beatriz, que é a primeira violinista do grupo. “É raro ter um violinista na companhia de Reis, pois não tocamos por nota é tudo de ouvido”, ressalta ela.

Eric,Na Divina Luz ainda participam as jovens Amanda Regina Crialezi (17 anos), Beatriz Diotto (17), Cristiane Pina Rodrigues (11), além de Eric Alves Carvalho de 10 anos, o mais novo. “Meu pai já participava da Folia de Reis e eu sempre pedia para ele que queria participar também. Aí, ele me ensinou e hoje eu estou como um dos palhaços. Minha vontade é um dia tocar caixa”, revela o caçula da turma.

Questionados sobre o motivo de se dedicarem a Companhia, a estudante Amanda responde em poucas palavras. “Porque toca no coração da gente”.

CELEBRAÇÃO ANUAL

No próximo sábado, dia 28 de janeiro, às 18h, acontece no Recinto de Exposição de Mirassol, a chegada de Reis, uma celebração anual, realizada pela Cia. Divina Luz. Para comemoração as bençãos atendidas, é oferecido um jantar, aberto ao público. No dia são feitas as apresentações com músicas, danças, rezas e uma queima de fogos.

O jantar é preparado pelos integrantes, amigos e familiares do grupo, a partir das doações recebidas nas visitas do cortejo pelas cidades da região. Para participar é só chegar. Quem quiser saber mais, convidar para sua cidade ou mesmo fazer parte da companhia, basta entrar em contato pelo telefone (17) 99137 0438.

FOLIA DE REIS

CompanhiaA Folia de Reis é uma manifestação cultural religiosa milenar, que possui adeptos em diversas regiões do Brasil e pelo mundo afora. A manifestação tem o objetivo de celebrar a visita dos Três Reis Magos (Melquior, Baltazar e Gaspar), que, de acordo com as passagens bíblicas, foram guiados por uma estrela em uma jornada à procura do menino Jesus, o salvador prometido, para prestar homenagens e dar presentes com valores simbólicos: mirra (pureza), ouro (realeza) e incenso (fé).

De uma forma lúdica e em meio a muita fé, essa jornada é representada pelas Companhias de Folias de Reis em um cortejo, com rimas, músicas, danças e oração pelas ruas e casas por onde passam. “Essa é uma tradição cultivada desde o nascimento de Cristo. Representa a fé, pois quem iria acreditar numa profecia, seguir uma estrela e encontrar o menino que seria o ‘Rei do mundo’, e os três reis magos acreditaram nessa fé”, reforça Claudemir dos Reis.

Todos os anos, no dia 6 de janeiro é celebrado o “Dia de Santos Reis”, data em que acontece diversas celebrações. Em muitos lugares, como na região da Noroeste Paulista, as comemorações tem seu período estendido, começam em meados de novembro – com o cortejo nas casas -, e podem ser estendidas até a chegada do Carnaval,  conforme a agenda e a quantidade de convites feitos.

Cada um da companhia de Reis tem uma função especifica entre elas, a função de Mestre, responsável por tomar conta das pessoas, ensinar, puxar o ritmo, formar os versos e cantar. Na Companhia Divina Luz, essa é a atividade do Claudemir. Ainda tem o contramestre, o ajudante, o palhaço – que pede licença aos moradores das casas visitadas para a companhia entrar -, o porta-voz, o coro, os músicos que tocam pandeiro, afoxé, violão, bandolim, caixa, entre outros instrumentos. As roupas, instrumentos e ornamentos são adquiridos pelos próprios participantes. As companhias se reúnem ao longo do ano para ensaiar e muitas participam de encontro em diversos lugares pelo país junto com outros grupos.


Reportagem: Thais Alves / Notícias do Bem
Fotos: Ricardo Boni / Notícias do Bem

23/01/2017

23/01/2017 13:42

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *