Conheça histórias de superação e luta de pessoas com epilepsia para vencer barreiras como o preconceito e a burocracia

HUMANIZAÇÃO

Conheça histórias de superação e luta de pessoas com epilepsia

“Eu lembro que era um dia de domingo, minha família estava toda reunida, quando eu tive a minha primeira crise. Os olhos começaram a ficar embaçados. Eu já não conseguia mais controlar os meus movimentos, até eu cair. Fui para o médico. Fiz uma série de exames até ser diagnosticada com epilepsia causada por uma alteração genética. Eu tinha 12 anos. Tive que começar a tomar remédios. Não foi fácil, principalmente, nessa fase de adolescência em que está todo mundo saindo, se divertindo e você acaba tendo muitas restrições e preocupações. Até os 15 anos, eu tive muitas crises e mudei várias vezes de remédios. Antigamente, as famílias ficavam muito assustadas com o diagnóstico e os pacientes, muitas vezes sem necessidade, eram internados em sanatórios. Existem casos em que a pessoa realmente fica debilitada e dependente, mas é a minoria. Eu me formei em Biomedicina e técnico em Administração. Há 8 anos, me mudei da cidade Ouroeste, onde morava com a minha família, para São José do Rio Preto (SP). Já trabalhei em algumas empresas e, atualmente, estou em busca de novas oportunidades de trabalho. Gosto muito de escrever e, inclusive, tenho um livro publicado na internet que reúne uma série de poemas e contos que escrevi. Eu nunca deixei que a epilepsia fosse uma barreira para mim. Todo temos os nossos limites, seja com ou sem epilepsia, por isso não tenha medo de viver e quebrar essas barreiras”, relata Graziela de Lima Carraro.

GrazielaGraziela é uma entre os 4 milhões de pacientes com epilepsia que estima-se ter no Brasil. A epilepsia é uma doença do sistema nervoso central em que ocorrem intensas descargas elétricas que não podem ser controladas pela própria pessoa, causando sintomas como, por exemplo, movimentos descontrolados do corpo. Os sintomas podem ser desencadeados por uma série de fatores, conhecidos como gatilhos, que vão desde estresse, privação do sono, febre alta, foto-sensibilidade, entre outros. A doença não é contagiosa e suas causas são variadas – uma lesão na cabeça, infecção, alteração genética, o abuso de bebida ou drogas.

De acordo com a Organização Mundial de Saúde cerca de 1 a 2% da população mundial têm a epilepsia. Desses 70 a 80%, se tratados corretamente, podem levar uma vida ativa normalmente, mas muitos, mesmo tendo qualificação profissional, estão fora do mercado formal de trabalho, por causa do estigma e o preconceito relacionados à doença, é o que relata o médico neurologista e professor da FAMERP – Faculdade de Medicina de Rio Preto Moacir Alves Borges, responsável por diversos estudos na área que mostram, principalmente, o lado social dessa doença. Por receio do preconceito, muitas pessoas não revelam nem mesmo a seu círculo social que têm a epilepsia.

Um dado curioso e ao mesmo tempo bastante revelador é que grandes pensadores e artistas como o escritor russo Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski, o brasileiro Machado de Assis e o pintor holandês Vincent Van Gogh tinham epilepsia e conseguiram reconhecimento por suas artes, deixando um grande legado à humanidade. Nesses casos, como no de Graziela, relatado no início da matéria, a epilepsia não foi e não é um fator limitante. A sociedade precisa enxergar a epilepsia com outros olhos e dar chances de igualdade para quem busca oportunidade no mercado de trabalho. Essa é uma luta que muitos pacientes enfrentam diariamente e o que se vê é que os limites são impostos por preconceito.

AMOR E DEDICAÇÃO

DanielEm contraponto a esse cenário, estão os pacientes como o jovem Daniel Espírito Santos, de 26 anos, filho da professora de história Annalúcia Garcia Pereira dos Santos. Aos 10 anos, Daniel foi diagnosticado com a Síndrome de Angelman, um distúrbio genético neurológico caracterizado por atraso no desenvolvimento intelectual, dificuldades na fala, distúrbios sono, convulsões, movimentos desconexos e sorriso frequente.

Annalúcia conta que não foi fácil receber o diagnóstico e que durante anos sofreu muito. Ela relata que conseguiu encontrar apoio em grupos de mães que passavam pela mesma ou parecida situação que a dela. A maior dificuldade da síndrome de Angelman são as crises epiléticas frequentes. Para controlar Daniel toma mais de cinco tipos de remédios, todos os dias.

Há cerca de dois anos, a família de Daniel entrou com um pedido judicial para ter autorização de importar o Canabidiol, um remédio produzido a partir de uma substância encontrada na maconha, já usado, legalmente, em outros países para controlar as crises de epiléticas. Depois de cerca de um ano do pedido feito, eles receberam a autorização legal, que permite que a droga seja importada, mas o custo é muito grande. “Um ampola de do óleo de canabidiol, que dura por volta de 15 dias, custa cerca de 500 dólares. É impossível manter esse custo”, revela a professora que luta na justiça para conseguir ajuda do Governo para o tratamento do seu filho.

No Brasil, a autorização para o uso do canabidiol é controlada e depende de aprovação da ANVISA. Além dos trâmites legais, muitas vezes demorados, o remédio não é produzido no Brasil e o valor da importação é muito alto. Algumas famílias brasileiras conseguiram autorização para plantarem maconha para que produzam artesanalmente o óleo de canabidiol para ser usado no tratamento e controle da epilepsia. O assunto é polêmico, mas a discussão sobre o tema é necessária.

A equipe do Notícias do Bem esteve na casa da Annalúcia,no bairro Estância Ivone, em Rio Preto, onde ela mora com Daniel e o marido o sociólogo Márcio Jacovani. Durante a visita, ficou claro de quanto o menino é amado por toda a sua família, que também conta com a irmã, que é estudante universitária, Anna Luara (20), e o Carlos, o pai de Daniel, que ajuda nos cuidados com o filho. Mesmo diante às dificuldades e burocracias, todos seguem lutando para que Daniel possa ter melhores condições de vida. “Não sou uma mãe especial, não sou mais forte que ninguém. Sou muito chorona e tenho medos como todo mundo, mas a gente fortalece para cuidar dele. Ele é um verdadeiro anjo em nossas vidas”, ressalta com muito carinho a mãe.

ESTUDOS NA ÁREA

OOutra questão relacionada ao tema, é que no Brasil, atualmente, a epilepsia não é considerada uma doença que cause invalidez. O neurologista e professor da Famerp Moacir Alves Borges realiza um estudo sobre quando e de que maneira a epilepsia é incapacitante, quais as principais barreiras enfrentadas pelas pessoas com a doença para que esse quadro mude e os pacientes que, realmente, necessitem possam receber uma ajuda do Governo.

Muito mais dos números, esses estudos mostram a vida de pessoas. No Brasil há diversas associações de pacientes com epilepsia, que buscam por meio da união a ajuda para conquistar melhores condições de vida. Em São José do Rio Preto, o neurologista Moacir Borges, com o apoio da paciente Graziela, tem feito um trabalho no Hospital de Base para cadastrar as pessoas com epilepsia, com a finalidade de organizar uma associação. “O que a gente procura e espera nessa caminhada é encontrar pessoas e profissionais que tenham humanidade, compaixão e que acima de tudo nos ouça”, comenta a professora Annalúcia.

ENCONTRO NACIONAL

Com o objetivo de discutir as dificuldades vividas pelos portadores da epilepsia e formular propostas de políticas públicas para atenção à saúde destas pessoas, nos dias 16, 17, 18 de março, acontece, em São José do Rio Preto, o XV Encontro Nacional da EPIBRASIL – Federação Brasileira de Epilepsia. “O evento, que tem o apoio do Departamento de Ciências Neurológicas da FAMERP, é direcionado a pacientes, seus familiares, autoridades, profissionais da área de saúde, autoridades, assistentes sociais, terapeutas ocupacionais e estudantes.”, conta o neurologista Moacir Borges, um dos organizadores da ação em Rio Preto.

Na programação do Encontro serão realizadas oficinas e palestras com temas como o estágio atual da doença no Brasil, a epilepsia e o trabalho, a mulher com epilepsia, sexualidade, entre outros.

No evento, que será realizado no Hotel Ipê Park, também será lançada a campanha da cidadania dos brasileiros com epilepsia e será divulgado o ganhador do 1º Concurso de Poesias e Contos de pessoas com Epilepsia. O ganhador do concurso, além do reconhecimento, terá seu texto publicado no site Notícias do Bem.

Para saber mais e se inscrever no Congresso, acesse o link http://neuroeventos.wixsite.com/epibrasil. A participação é gratuita.

Confira a programação do XV Encontro Nacional da Federação Brasileira de Epilepsia:

16/03
9h às 12h30
Oficina de Mandalas – Dialogando com as emoções, com Dra. Li Hui Ling da ASPE.
Oficina de Psicologia, com Valquiria Ferreira
14h às 17h
II Fórum Epilepsia e Trabalho
Oficina para Associações e Movimentos, com Carlos de Deus.
19h
Sessão Solene de Abertura
Estágio Atual da Epilepsia Brasileira em relação aos demais países
Lançamento da Campanha pela cidadania dos Brasileiros com Epilepsia

17/03
9h às 12h30
Eixo Temático: Epilepsia e Trabalho
14h às 16h
Eixo de Temático: A Mulher com Epilepsia
16h às 17h
Discussão da Campanha pela cidadania
17h – Resultado do 1º Concurso de Poesias e Contos de pacientes com epilepsia

18/03
9h às 15h
Assembleia Geral

Reportagem: Thais Alves / Notícias do Bem

Fotos: Ricardo Boni / Notícias do Bem

14/02/2017 08:43

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