Com dez dólares por mês, ela resgatou a educação em uma escola no Quênia

PELA COMUNIDADE

Com dez dólares por mês, ela resgatou a educação em uma escola no Quênia

Betty Nyaghoa vê algo de si quando olha para os alunos da escola primária de Gatoto, que fica no coração de uma das favelas mais perigosas de Nairobi, Quênia. Como muitas crianças, ela cresceu na pobreza, caçula de dez irmãos e filha de pais agricultores, cuja luta para pagar os estudos a deixava à beira de ser expulsa. Agora ela é a encarregada da Gatoto (criança pequena, na gíria local), uma escola localizada na favela de Mukuru kwa Reuben, em Nairobi Oriental. A escola foi criada pela população local em 1994, quando percebeu que o estado não estava fornecendo educação para as crianças locais.

Os mais velhos sentiam que algo precisava ser feito para garantir o futuro das crianças que não iam à escola e passavam os dias coletando ferro velho para vender nas indústrias locais, diz Nyaghoa. A escola Gatoto começou com 370 alunos, mas agora tem 1.030 e é a alma da comunidade. Antes de entrar para a escola como a primeira professora, Nyaghoa era vendedora em uma feira, vendia milho e feijão. Ela já tinha sido professora na vida, mas foi despedida pelo governo. Eu me apaixonei por ensinar desde muito jovem. Eu admirava os professores, a maneira como eles falavam, a maneira de se vestir… Eu gostei de tudo neles.

Quando ela voltou a ensinar, teve um corte de pagamento significativo, com um salário de dez dólares por mês. Ela achava muito difícil ir trabalhar nos primeiros anos. A escola foi classificada em último lugar em um exame divisional em todo o distrito do leste de Nairobi Oriental e, durante uma reunião de fim de ano de diretores, ela foi convidada a explicar o miserável desempenho da Gatoto. Eu estava com a língua presa, talvez devido à minha falta de experiência. Eu só pedi para que os encarregados da educação viessem para a escola testemunhar as condições em que estávamos trabalhando. 

O chefe de educação se juntou ao passeio e ficou chocado com o que encontrou – quase 400 alunos amontoados em um único prédio da igreja. Classes ocupadas em todos os cantos, com professores competindo com o barulho das outras classes. Não havia mesas: os alunos, sentados em bancos enfileirados, escreviam suas notas em pequenas linhas para que não ocupasse muito espaço. Ele não podia acreditar no que estava vendo, conta a professora.

O chefe de educação pressionou as autoridades governamentais da cidade para dar à escola uma maior parcela de terra, embora a comunidade ainda tinha de reunir recursos para construir salas de aulas. O problema mais devastador que Nyaghoa enfrentou, no entanto, foi em casa. Seu marido, também professor tornou-se violento. Às vezes eu ia trabalhar com o olho inchado e tinha que dizer para as crianças que tinha caído e batido com a cara na porta. Um deles dizia: ‘professora, minha mãe foi espancada pelo meu pai e o olho dela estava inchado igual o seu,’ conta.

Nyaghoa continua: Eu queria que meus filhos crescessem em uma família estável, com pai e mãe. Mas eu também queria dignidade. Eu escolhi me divorciar. Eu perdi o meu casamento, mas eu tenho sido capaz de dar muito mais para a comunidade’’. Gatoto, que é apoiada por uma série de doadores – incluindo a Fundação Iris O’Brien, a American Friends of Gatoto, a The Good Cause e o programa de desenvolvimento educacional da Irlanda (SUAS) -, oferece bolsas de estudo para cerca de 150 de seus ex-alunos e realiza um programa de alimentação para 60 famílias afetadas pelo HIV. A escola tem grande estoque de atividades extracurriculares e o coral ganhou vários prêmios em festivais de música nacionais.

Como uma mãe orgulhosa, Nyaghoa sabe os nomes dos alunos que passaram da favela para carreiras de sucesso, incluindo um engenheiro bioquímico, professores, profissionais dos mercados financeiro e um ex-aluno que agora estuda para ser médico. Bate-papos entre ex e novos alunos acontecem sempre na intenção de incentivá-los. Vários dos 26 professores da escola são ex-alunos. Esta escola foi uma segunda casa para nós, como filhos. Gatoto foi tudo. Poderíamos escapar dos nossos problemas para vir e encontrar a paz aqui”, diz um dos professores, Geoffrey Kweya.

Esther Oywaya, outro ex-aluno, complementa: Gatoto mudou a minha vida. Alguns de nossos pais não podiam sequer pagar a taxa de US $ 2 para alimentos ou uniforme, mas íamos de qualquer maneira. Nós apenas incentivamos os alunos para que eles possam conseguir qualquer coisa que eles querem, apesar das circunstâncias aqui.

Fonte: The Guardian 

Tradução: João Vitor Boni / Notícias do Bem

Edição: Vania Nocchi / Notícias do Bem

01/11/2016

01/11/2016 11:56

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