Crônicas do Tempo

CRÔNICAS DO TEMPO

Jornalista Thais Alves relata sobre a primeira vez que sua mãe se conectou à internet

Por Thais Alves

1. “A PRIMEIRA VEZ QUE MINHA MÃE SE CONECTOU À INTERNET”

É incrível imaginar que ela, minha mãe, uma mulher tão para frente em tantas coisas, curiosa e questionadora sobre tudo, que gosta de cultura e arte, não queria conexão alguma com o mundo virtual, mesmo sempre tendo a possibilidade de acesso à internet.

Desde o início de 1990 já tínhamos computador e internet. Não éramos ricos, muito longe disso, mas o meu pai sempre foi curioso às novas tecnologias, por isso tínhamos esse privilégio, desde sempre. Sorte a nossa!

Em casa, já teve diversos modelos de computadores, aqueles de tela preta com escrita verde, aqueles com entrada para disquete grande, aqueles com entrada para disquete pequeno. Lembro como se fosse ontem dos acessos discados à internet. Já passei longas madrugadas na web, tudo para economizar e gastar apenas um “pulso” do telefone por conexão. E aquele barulhinho da conexão, que desespero quando não conectava…

Enfim, mesmo assim, ela nunca quis nem chegar perto do tal de computador!

Minha mãe seguia muito bem a vida assim, só no modo discado, com seu celular modelo antigo, aqueles primeiros aparelhos a terem conexão com à internet, com teclas pequenas para números e letras, sem tela touch. Mesmo com plano de celular com internet e um aparelho que conectava à web, ela não tinha interesse em acessar. Celular, para ela, era só para ligar!

Um dia, quase que concomitante com o início da divulgação da possibilidade do isolamento social, devido à pandemia de 2020, meu irmão mais velho e minha cunhada apareceram com um aparelho de celular novo. Novo no sentido que até então não tínhamos ele aqui em casa, mas não no sentido de lançamento ou nova geração, muito longe disso.

O “novo aparelho”, já sem teclas em seu design, tinha 8 gigas de memória. Pouco para gente, né? Mas plenamente suficiente para ela começar suas primeiras conexões.

Sem apego nenhum ao que já foi – achei que seria mais difícil – o celular antigo dela, com tecla, aquele que ela só usava no modo discado, foi rapidamente aposentado, nem sei mais por onde anda, evaporou! E começava assim a saga e as primeira conexões da minha mãe no mundo touch de aventuras…

CronicasModo discado

Antes de praticar o desapego total, quero falar sobre o tal celular descartado.

O aparelho era velho, bem velho, e como tal, para mim, era considerado um item muito seguro para ser usado em público, a prova de roubos. Afinal, quem em sã consciência vai querer roubar um aparelho desses, não é mesmo? Pois é, mas minha mãe não estava muito certa disso.

O fato é que sempre que ela saia de casa ela não levava o celular. O motivo? Medo de perder ou alguém pegar.

“Mãe, quem vai querer um telefone de quase dez ou mais anos atrás”, eu insistia com ela.

“É bem capaz do ‘ladrão’, por compaixão à tamanha desatualização tecnológica, oferecer um aparelho mais moderno”, isso eu só pensava, mas não falava.

Mesmo assim ela saia de casa, na época em que não tínhamos restrições para sair às ruas, sem o celular!

Confesso que, quando descobri que isso acontecia, fiquei indignada e expliquei em um momento “textão” o não cabimento dessa atitude de resguardar um bem tão pouco valioso. No meu ponto de vista, a segurança maior seria ela ter algum meio para se comunicar em caso de alguma situação de risco. Contextualizei que quase já não tinha mais outra maneira de comunicação, se não o celular. O orelhão, quem nasceu até a década de 1990 sabe do que estou falando, é praticamente inexistente nos dias de hoje e, se existe, ele não funciona. Mas parece que não “cai a ficha”! Por falar em fichar, a verdade é que eu nem sei mais onde e se ainda vendem os cartões para usar o orelhão.

Enfim, a questão é que ela precisava levar o celular com ela, por garantia e segurança, no caso de perda ou mão leve, por graça divina, ela comprava outro!

Mas veja só como é bom ouvir o outro lado da história. No ponto de vista da minha mãe, o fato de não levar o celular era ser livre. Além da preocupação com um “bem”, ela queria a liberdade da não conexão.

– Você sabe onde costumo ir, sabe onde me procurar, não tem o porquê eu levar o celular, argumentava ela.

Até entendi o que ela queria dizer, a conexão full time, o tempo todo olhando para o celular, é uma questão de agora. Talvez ter o mundo na palma da mão possa ser pesado demais e não tão necessário assim quanto imaginamos. Entendi, mas mesmo assim insisti que ela começasse a levar o celular quando ela saísse. Desde então ela tem levado! Agora, vamos ver quando acabar o estado de isolamento social como será com o novo aparelho que, mesmo sendo touch, não é tão novo para se preocupar, só o tempo…

CronicasPrimeira lição, WhatsApp!

Para nós, parece tudo tão intuitivo mexer nos aplicativos, mas para quem pela primeira vez está acessando a web é muito diferente e nada é tão lógico assim quanto parece.

Com paciência e entendendo tudo isso, estou ensinando as funcionalidades do aplicativo WhatsApp, o “zap zap” que ela tanto ouvia os amigos dizerem e que agora é fato na vida dela também.

Passo a passo, os contatos, até então só com nomes e números, começaram a ter rostos na telinha e status. Pouco a pouco os bate-papos iam acontecendo.

A escrita digitada ainda estava um pouco enferrujada, mas graças ao “santo áudio”, somos uma família boa em oratória, as conexões começaram a ser feitas com sucesso.

Antes, lembro de várias vezes ter ouvido minha mãe reclamar e até ficar brava que por não estar conectada perdia alguns momentos, eventos, pois os amigos não tinham o costume de ficar ligando, mandando SMS.

– Que coisa mais antiga ligar ou mandar mensagem, você precisa ter o zap, diziam os amigos dela.

A falta da conexão realmente limita e ela estava vivendo isso!

Mas agora, as fotos, vídeos, mensagens compartilhadas já eram sua realidade também. Minha mãe já está sabendo até como fazer chamadas pela câmera com todos os três filhos. Quatro telinhas e tudo mais.

Quarenteners

Nesse meio tempo de início de conexão, o isolamento social virou realidade.

O “fica em casa” era o direcionamento, decreto! Para ela isso significava, acima de tudo, “nada de bailinho sexta-feira”. Ah, toda sexta-feira minha mãe vai na baladinha dela com os amigos. O “música ao vivo”, que é como ela chama o barzinho onde ela se reúne com a “tchurma”. Com a pandemia a balada foi cancelada!

Já faz pouco mais de um mês que ela não sai de casa. Por enquanto as conexões estão sendo feitas apenas pelo novo celular. Aproximação só pelo touch da tela e com abraços virtuais.

Que bom que ela resolveu se conectar agora, assim o isolamento social fica mais suportável.

Durante o dia, às vezes, ela vem no meu quarto, com o celular na mão e aquela cara de dúvida ou de alguém que aprontou. Quando é assim, eu já até sei o que é. Sabe quando aparece uma daquelas mensagens de atualização de programa e até a gente não sabe muito o que fazer? Pois é, imagina para ela como é isso. Na maioria das vezes, eu explico o que é, o que significa, para ela saber resolver por ela, caso aconteça de novo, mas tem horas que vejo que ela só quer voltar para o que estava fazendo on-line, antes da tela intrusa aparecer. Sendo assim, sem muita explicação, eu simplesmente resolvo, entrego o aparelho já organizado, com as telas que ela reconhece e ela segue em frente no compartilhamento da vida pelas redes.

Primeira treta virtual

Acredita que em menos de um mês conectada, minha mãe quase já teve sua primeira treta on-line com as amigas. Não foi culpa dela, é sério. Foi uma situação que no mundo real ia discorrer tranquilamente, mas que, na web, foi mal interpretada.

Com essa situação, não vou entrar em detalhes para não complicar ainda mais o fato, expliquei que, como na vida off-line, o mundo virtual é cheio de intrigas e por isso era importante ela tomar cuidado com o que encaminhava pelas redes, mesmo que ela achasse que o conteúdo não tivesse nada demais.

Uma coisa muito importante nesse bate-papo foi ressaltar que as funções “print da tela” e/ou encaminhamento de mensagens, fora de contexto, poderiam ser usadas, pela “amiga”, contra ela e reforcei que a confiança no mundo virtual é muito relativa.

Tudo isso são coisas que aprendemos no dia a dia real e existem alguns macetes para lidar com isso também no mundo virtual. Ela é rápida, entendeu e agiu de maneira assertiva e a primeira quase treta virtual foi sanada, com sucesso!

Depois disso conversamos bastante sobre como as pessoas agem no mundo virtual, com direito a estudo de casos, off-line e on-line. Talvez você, nosso amigo ou parente, que esteja lendo esse texto, tenha sido uma das personagens desse nosso estudo ou até mesmo protagonista de uma das tretas analisadas, quem sabe né. “Loading…”

Google entrou no grupo

Depois de algumas semanas só no WhatsApp,minha mãe me perguntou como fazia para entrar na internet para pesquisar sobre artistas antigos. Fiquei contente em ver o interesse dela em expandir os conhecimentos de navegação na web.

Expliquei em minutos a lógica do uso do Google. Ela, já mais familiarizada com as telinhas e a vida touch, começou a navegar sem medo. Pesquisou sobre a cantora Carmem Silva, os atores Carlos Augusto Strazzer, Lauro Corona – Lauro se tu estivesses na ativa certamente se tornaria “meme” nas redes com esse sobrenome sugestivo, nada pessoal -, entre outros. Na pesquisa, ela ainda assistiu os vídeos, leu na wikipédia sobre a vida e morte de alguns de seus ídolos, viu fotos antigas, se perdeu no tempo, voltando e viajando nele. Nisso, ela entendeu um pouco mais sobre os motivos das pessoas ficarem tão conectadas nas suas buscas a ponto de trocarem o real pelo virtual.

Por enquanto, minha mãe segue no modo consumidor da internet e não tem página no facebook ou instagram. Estou esperando surgir o interesse para assim explicar e fazer essas novas conexões com ela e para ela. Quem sabe, já, já ela não passa a produzir seu próprio conteúdo e jogar nas redes, estilo blogueirinha. Eu não duvido. O céu é o limite ou melhor a nuvem!

Então esse era o plano

É muito interessante como a vida simplesmente acontece e uma hora são nossos pais que nos ensinam a dar os primeiros passos, nos orientam como viver no mundo, pegam na mão, nos mostram os caminhos, nos direcionam. Outra hora, são os filhos que assumem o papel de ensinar, explicar, instruir de certa forma sobre esse mesmo mundo que com o tempo traz novidades.

Cronicas“Que se atualizar sobre o mundo? Tenha filhos.”. Nenhum aprendizado é perdido ou irrelevante, eles vão se complementando. É uma troca, uma feliz troca de experiência e conhecimento, tempo a tempo.

No filme “Wild”, traduzido como “Livre” em português, em uma das lembranças que a personagem Cheryl, interpretada pela atriz Reese Witherspoon, tem com mãe, ela se vê questionando como deve ser difícil para a mãe não conhecer algumas coisas que ela, a filha, mesmo tão mais nova, “sabe mais”, e a mãe de uma forma pontual, singela, verdadeira e sábia responde: – Esse era o plano!

Quando assisti essa parte do filme me emocionei e pensei comigo:

– Então era isso? Que sorte a minha!

Por aqui, nós seguimos firmes e fortes, um pouco isoladas, mas quem não está, não é mesmo. Mas mesmo assim, cada vez mais conectadas com nós mesmas, entre nós e com o universo em si. E assim, vamos que vamos! Aprendendo e ensinando, compartilhando e redescobrindo um mundo novo, nesse novo mundo. Vivendo o tempo, cada qual no seu tempo, tempo a tempo!

06/05/2020

06/05/2020 16:22

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *