O menino, o trem e muitas histórias

PEQUENOS SONHOS

O menino, o trem e muitas histórias

Era uma vez um menino que, ao ouvir o apito do trem, saía em disparada e corria até o ponto mais alto do barranco para assistir ao “desfile” do comboio de vagões passar. A máquina bufava na curva e fazia as rodas metálicas cantarem. Os olhos da criança brilhavam ao ver a locomotiva assim, bem de pertinho, até desacelerar perto da estação.

Era uma vez um menino que transformava caixinhas de pasta de dente em vagões de trem. O material era pintado cuidadosamente. O que era papelão, logo não era mais papelão, mas os vagões de um grande comboio imaginário. As tampinhas plásticas contribuíam com o acabamento final. E o garoto brincava feliz com o seu trem a correr pelo trem da imaginação.

Na passagem veloz do tempo, a arrastar o comboio das horas, aquele menino hoje é um jovem que mantém viva a paixão pelos trens. Coisa de gente grande, profissional, mas com a mesma alma de menino. As caixinhas de pasta de dente deram lugar a réplicas perfeitas dos mais variados modelos e épocas de locomotivas e vagões.

TaisonTaison Borges, morador de Mirassol, tornou-se um ferromodelista (ou ferreomodelista), nome apropriado para quem pratica o ferromodelismo, que consiste na construção de modelos de transporte ferroviário (trens, bondes, automotrizes, cenários etc.), em escala reduzida.

Escala reduzida, mas paixão sem limites. Taison procura levar sua atividade para além de um simples hobbie. “Procuro fazer com todo o carinho possível e com a mesma paixão de quando eu era criança”, conta ele, recordando-se do período da infância quando morava com a família bem próximo da estação ferroviária de Mirassol.

 A arte a que se dedica possibilita não apenas a construção de modelos de locomotivas, mas todo o cenário característico. Isso inclui árvores, casas, postes, pontes e túneis e mais o que a imaginação e talento permitirem.

O ferreomodelista pode, por exemplo, pintar os vagões de forma que pareçam mais antigos ou mesmo construir a maquete. E, ainda, inserir mais elementos com objetivo de “levar” a pessoa para dentro da sua narrativa. O entorno da linha férrea pode ganhar um canteiro de obras, com máquinas pesadas e operários, caixa-d’água, pilhas de pedras e areia e silos (galpões cilíndricos para armazenagem de grãos), por exemplo. Tudo com a referência clássica de tamanho, seguida por ferromodelistas e fabricantes de brinquedos e medida em milímetros: H.O 1:87.

TaisonUma das obras de Taison que mais impressionam traz exatamente essa riqueza de detalhes: a estação de Mirassol, com os passageiros à espera do embarque e o agente a carregar as bagagens. Uma história que convida a uma viagem no tempo: a linha férrea chegou à cidade pela Estrada de Ferro Araraquarense (EFA) em 1933, depois de ficar por 21 anos “estacionada” em Rio Preto.

“Maquetes são reproduções em escalas reduzidas ou até mesmo em tamanho real de partes ou o todo de um projeto, elas fundamentam em dados e variáveis reais o projeto original. Por isso, ela é um modelo do projeto, que pode ter funções ou animações. Já os dioramas são fiéis reproduções de uma realidade em miniatura e sem movimento e que podem ser idealizadas a partir de fotos, filmes, jornais, artigos, livros, etc.”, ensina o ferromodelista.

Taison não mede esforços e sacrifica o quanto pode da sua renda – como operador de máquinas em uma fábrica, fotógrafo e design – para adquirir os itens de que necessita. De máquinas completas às menores peças, como arbustos ou bonecos, numa faixa de valores que inicia em R$ 200.

Uma coleção, muitas histórias

O “pátio” ou gare, para se utilizar um termo mais fiel ao tema, conta com cerca de 200 vagões e 18 locomotivas de diferentes modelos e épocas. Pela sua coleção é possível aprender um pouco da história que está ligada diretamente ao desenvolvimento da região, que se deu exatamente pelos trilhos.

TaisonComeça por uma clássica Locomotiva 7017 da Fepasa. Rememora a máquina clássica de 112 toneladas e capacidade de tracionar 25 mil quilos a 16 km/h, que trafegou nos tempos áureos em que o trem ainda era sinônimo de progresso. E passa pelas empresas que sucederam à estatal, depois que o modelo ferroviário foi perdendo o seu valor: locomotivas da Ferroban, Ferronorte, até os tempos atuais, sob concessão da Rumo.

Não faltam histórias, como também não faltam curiosidades. Um dos itens que Taison guarda com mais carinho é uma locomotiva da Fepasa que reproduz fidedignamente em sua lataria a pintura conhecida como Ave Maria” – modelo em que as três listras características da empresa (vermelho, branca e pedra) correm em paralelo no centro do vagão e fazem um contorno em direção a uma das janelas, lembrando duas mãos em oração. E Taison tem também uma réplica do Trem de Prata, de 1998 e que transportava passageiros.

Metal, plástico, madeira, cola, dormentes… Materiais incomuns que se unem a serviço da memória. Que falam de um menino apaixonado por locomotivas e que também falam sobre a nossa própria história. Afinal, a primeira locomotiva aqui chegou no dia 21 de janeiro de 1912, num tempo em que Rio Preto não era mais que um ponto isolado no meio do sertão. E o último trem de passageiros apitou na curva, pela última vez, no dia 15 março de 2001.


Texto: Marival Correa / Notícias do Bem
Fotos: Ricardo Boni / Notícias do Bem

06/09/2017

06/09/2017 12:56

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *