Projeto Infâncias Despedaçadas, de Elisa Bracher, lança segunda temporada no YouTube 

O projeto foi criado para entender as complexidades de casos de abuso infantil e estupro contra crianças, e mostrar como cuidar delas


“É para a minha dor não doer nos outros.” É com este propósito que Elisa Bracher, artista plástica e fundadora do Instituto Acaia, criou o canal Infâncias Despedaçadas no Youtube, em 2022, com 20 entrevistas. Agora, a partir da próxima quinta (12), Dia das Crianças e na Semana Nacional de Prevenção da Violência na Primeira Infância, ela lança uma nova temporada, com cinco episódios a princípio (novas entrevistas serão incluídas) trazendo educadoras, professoras, conselheiras tutelares, médicas – entre outras profissionais que trazem experiências também de Pernambuco, Rio de Janeiro e Pará – que formularam caminhos e desenvolveram metodologias para cuidar da infância contra o abuso sexual.

O projeto foi criado para entender as complexidades de casos de abuso infantil e estupro contra crianças, e mostrar como cuidar delas. “O melhor presente que podemos oferecer para as crianças no Dia das Crianças é uma infância segura”, afirma a idealizadora do projeto, a artista Elisa Bracher. Foi a partir do seu relato e de uma experiência pessoal de abuso contada por ela no canal do YouTube, que começou o projeto. “Eu vi a notícia de que uma garota yanomami foi estuprada até a morte, e isso foi o limite para mim”, afirma, a partir da notícia de que uma garota yanomami de 12 anos havia morrido após ser estuprada por garimpeiros na região de Waikás, Roraima, em abril de 2022. 

Romper o silêncio é o primeiro passo
Motivada pela notícia – assombrosa – da menina yanomami, a artista decidiu contar a sua história, neste vídeo, e também num artigo publicado em maio de 2022, na Folha de S. Paulo. Nele, ela conta que sofreu abuso dos 11 aos 14 anos no período em que a família morou em Brasília. O abusador era o segurança da casa onde ela morava com a família recém-chegada de São Paulo. “O ato do abuso fica em você por muitos anos. Fica um cheiro em você. E o seu corpo fica desmembrado, parece que as suas partes ficam soltas, desmontadas”. “Você vira uma pessoa fantasma, é uma demolição da sua estrutura”, afirma. “E acentua a sua solidão”. 

A partir do seu relato, muitas mulheres a procuraram para contar as suas histórias. A partir daí nasceu a ideia de criar o canal. “Para mim uma criança não deve se sentir sozinha nunca”, afirma. “E criei o canal para tentar evitar que novos abusos aconteçam, e que essa cultura não se perpetue”, pontua. “Romper o silêncio já é algo enorme”, afirma. 

Manual de sobrevivência com ações propositivas
“Nosso canal é uma espécie de manual de sobrevivência, pois reúne e divulga estratégias que profissionais e sobreviventes possuem, e seus métodos que desenvolveram com o tempo”, conta. Para a doutora e professora do Departamento de Medicina Preventiva da USP, Ana Flávia D´Oliveira, “o abuso infantil, assim como outras formas de agressão contra crianças, muitas vezes é invisível”. Para ela “quebrar a invisibilidade é a nossa primeira tarefa”. 

O lugar da escola como espaço de acolhimento
“Como viver, tocar a sua vida, buscando uma outra maneira onde as relações que não se construam pela relação abusiva. A escola ocupa um lugar de inserção da criança no mundo. É o primeiro lugar onde ela se vê em um outro universo. É um lugar onde se tem um vínculo de confiança e possibilidade de elaboração simbólica”, afirma a artista visual e educadora Ynaiá Barros. “Muitas vezes não se tem uma evidência clara de que o que está acontecendo é um abuso. Porque nem sempre tem a palavra”, conta. Ela conta que os comportamentos dentro da escola podem dar pistas do que está acontecendo. “É nesta observação na sala de aula que se pode dar a estrutura necessária para que a criança elabore o que está vivenciando”, conta a artista. 

O papel da sociedade e da ação em rede 
A pedagoga e conselheira tutelar do Sacomã, moradora de Heliópolis Mariana Maria afirma que mudou de profissão, saindo da sala de aula para se tornar conselheira tutelar, buscando garantir a defesa de direitos de crianças. “A cidade não foi feita para a criança e as políticas públicas também não foram feitas para elas”. “Os abusos acontecem todos os dias e as pessoas preferem se calar”. “Na pandemia as crianças passaram mais tempo com o violador, piorou demais”. 

Para ela, é preciso trabalhar a articulação de rede. “A UBS, o conselho, a escola, a família, o CCA (Centro para Crianças e Adolescentes), a sociedade civil, o judiciário, a delegacia, todos somos responsáveis por aquela criança. O trabalho em rede é o mais árduo, mas é o que mais tem funcionado”. 

Ela conta que foi criado o Grupo de Violência de Abuso Sexual Infantil dentro de Heliópolis, com reuniões semanais para falar sobre os abusos ocorridos na comunidade. “A comunidade precisa entender sua problemática. Não é só um serviço. Vai muito além, são vidas”. 

Este projeto foi concebido em 2022 por Elisa Bracher, Ana Cristina Cintra, Beatriz Bracher, Gisela Moreau, Mari Stockler, Magno Rodrigues Faria, Gleice Licá e Gabi Mariano. Hoje o projeto é co-dirigido por Elisa Bracher e Alícia Peres, Documentarista. 

Elisa Bracher
Nascida em São Paulo, Elisa Bracher é artista plástica formada pela FAAP-SP, e especializou-se em gravura com Evandro Carlos Jardim e Cláudio Murabac. Em 1997, fundou o Instituto Acaia, organização não-governamental que recebe crianças e adolescentes das comunidades do entorno do seu ateliê, na zona oeste paulista, para oficinas e cursos. O instituto tem como norte o fomento à educação e cultura para a redução da desigualdade social. Em 2017, o ateliê Acaia se transformou em ateliescola Acaia. 

Como artista plástica, já expôs em diversas galerias e instituições culturais de Bahia, Brasília, Curitiba, Fortaleza, Minas Gerais, Paraná, Rio de Janeiro e São Paulo; além de Alemanha, Bélgica, Estados Unidos, França, Itália e Reino Unido. Tem obras expostas em espaços públicos de São Paulo e Inglaterra, além do Instituto Cultural Inhotim, em Brumadinho, Minas Gerais. 

Realizou, durante nove anos, o documentário “ Que língua você fala?”, sobre o encontro entre grupos de diferentes culturas e estratos sociais. Tem os livros publicados “Madeira sobre madeira” (Cosac Naify, 1998), “Maneira branca” (Cosac Naify, 2006), “A cidade e suas margens” (Editora 34, 2008), “Encarnadas” (BEI Editora, 2018) e “Desalojados” (Ateliescola Acaia – Letra da Cidade, 2021). 

Serviç
Lançamento segunda temporada Infâncias Despedaçadas
YouTube – https://www.youtube.com/@infanciasdespedacadas
Dia 12/10 (quinta-feira)

Foto: Divulgação

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